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A morte do Açude da Manhosa - artigo de Clécio Dias


Quando era pequeno, eu não entendia por que a chamavam de MANHOSA, pois era tão linda e matava a sede de tanta, tanta gente! Sempre que as chuvas eram fortes ela transbordava e todos íamos assistir suas águas vertendo em direção ao sul...

Eu pensava que ela só era MANHOSA quando suas águas rompiam a parede, pois era a coisa mais sublime do mundo quando o povo do bairro Santo Agostinho (ainda tão pequeno) matava a sede com suas águas barrentas após as chuvas e depois de alguns dias suas águas ficavam tão cristalinas...

Numa cidade tão seca como a nossa, quando se avistava a MANHOSA cheia, refletindo a luz do sol, os peixes que apontavam no seu leito e os pássaros que sobrevoavam em sua volta eram como se dissessem aqui tem vida, muita vida, uma vida que nunca se acaba...

Mas muitos jogavam lixo dentro dela, dejetos, esgoto. Alguns delinquentes, "desovavam" quadros de motos roubadas nas suas águas que ficavam submersos enquanto o lixo flutuava em seu leito como se matasse sua beleza e apagasse seu brilho...

Um dia então ela secou e eu vi como tinha lixo, como tinham ferros velhos enferrujados sobre seus peixes mortos e os pássaros vinham beber sua água mas voltavam tristes como quem volta de um velório de uma pessoa que ama...

Eu percebi porque ela chorava, porque era tão MANHOSA assim, mas quando as chuvas voltavam ela reaparecia linda e encantadora, não sei como, mas parece que os peixes voltavam e os pássaros voltavam a sobrevoar...

No entanto, agora começaram a enterrá-la viva. Depois de tanta agressão agora enterram-na, sem nenhuma piedade. Um dia desses, ela sangrou e eu vi que as águas que escorriam pela sua parede não eram apenas lágrimas como eu pensei por tanto tempo, era sangue mesmo, era o sangue da MANHOSA...

Ouvi alguém gritar: “A MANHOSA está sangrando!” Eu vi que eram lágrimas misturadas com sangue, mas ela não geme para a gente ouvir, ela morre calada, em silêncio e cada pá de terra que jogam é a sentença de morte de mais um peixe, é a despedida de mais uma passarinho, é o assassinato do nosso Açude da Manhosa...

É o sangue. São as lágrimas. Sua destruição é o retrato da covardia e da ingratidão! Ela já matou a sede de tanta gente. Foi o habitat de tantos peixes, dos pássaros e de tantos, tantos outros animais! Ela já está ferida demais, suas águas parecem mais esgoto do que água, ela vai sendo reduzida, enterrada, assassinada...

Mas para nossa tristeza, ela se cala, chora em silêncio, ainda tem um pouco de lágrimas para chorar, mas se não fizermos nada, depois que ela morrer, suas águas serão apenas as lembranças contidas na profundidade da tristeza das nossas lágrimas!!!

Texto de Clécio Dias/reprodução Facebook

Das notas:
Fotos: 1. Vista linda do Açude da Manhosa; 2. Manhosa usada como local de banho no Carnaval; 3. Lixo flutuando em seu leito; 4. Açude da Manhosa sendo soterrado; 5. Flor do Mandacarú às margens do Açude da Manhosa.

Do autor das lindas fotografias:

TODAS AS FOTOS FORAM TIRADAS PELO BLOGUEIRO E FOTÓGRAFO ALMIR NEVES!

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