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Algodão em extinção




Artigo do médico Juracy Nunes, analisa os fatores que estão levando a extinção do algodão no Nordeste.

Confira o artigo na íntegra:

O algodão em extinção e o milho na contramão no Nordeste do Brasil

Artigo de Juracy Nunes*

O município de Monteiro/PB, já foi grande produtor de algodão do tipo arbóreo, cuja fibra teve grande aceitação na indústria têxtil. A praga do algodoeiro e a melhor produtividade da cotonicultura em outras regiões do Brasil afastaram os monteirenses e os nordestinos dessa lucrativa atividade agrária. O algodão que as crianças de hoje conhecem aqui, é aquele vendido em farmácia para fins de higiene.

Os jovens desconhecem o termo capucho de algodão (corruptela de capulho) que é a cápsula dentro da qual se forma a fibra vegetal. Acabou o tempo das descaroçadeiras e da prensagem do algodão, que existiram nas cidades e nas fazendas. No século passado, com a chegada do caminhão, predominavam nas estradas, as cargas do “ouro branco”, de fardos de lã destinados à SANBRA, a Anderson Cleiyton, e outras empresas beneficiadoras e exportadoras do produto para o exterior.

Campina Grande comprava a maior parte do algodão do Nordeste e foi o segundo mercado algodoeiro do mundo, perdendo apenas para Liverpool na Inglaterra. Hoje os jovens campinenses sabem desses fatos através dos historiadores.

O milho teve também a sua fase áurea nos sertões nordestinos. Embora sendo uma cultura mais vulnerável à seca; quando consorciado no cultivo e no consumo ao feijão de corda e à mandioca, formavam a matriz nutricional básica do sertanejo.

Com milho, feijão e farinha produzidos no roçado, ninguém passava fome. A carne era considerada uma “mistura” bem - vinda, mas não indispensável ao cardápio de outrora.

A finalidade essencial destes produtos no passado era a subsistência da população local, embora em ano de bom inverno, o excedente, principalmente do milho, fosse vendido para outros lugares. No passado, uma safra suficiente para o consumo humano e dos bichos já era considerada uma bênção de Deus. Na sociedade de consumo em que vivemos, o item renda é fundamental em qualquer investimento.

Os caminhões nas BRs nordestinas não transportam mais o algodão que foi praticamente extinto com a praga do bicudo. Já o milho continua circulando, mas no sentido inverso, de grandes centros produtores para Monteiro e outros municípios do Nordeste.

E a causa da queda da produção do milho e da inversão do tráfego teria sido a praga no milharal do jeito que aconteceu no algodoeiro?

Não, as lagartas, as formigas, os fungos, sempre gostaram de pé de milho, mas não ao ponto de excluir a plantação que embora não competitiva com outras regiões, resiste à tradição regional.

As mudanças têm várias causas. O clima do semiárido é adverso a esta cultura de ciclo curto, de apenas três messes, período que precisa de regularidade pluviométrica, de pelo menos uma chuva de 50 mm por semana para o milho evoluir da germinação até a maturação, realidade pouco frequente neste sertão seco. As características do terreno e do solo são importantes para o cultivo do milho. Mas existem diversos fatores que desencorajam o seu plantio: a qualidade da semente, a semeadura, a adubação, os defensivos, os tratos culturais, o emprego de tecnologia agrícola, o custo da mão de obra e do financiamento, são condicionantes que devem ser analisados a fundo por quem quer plantar milho e almejar lucro.

O êxodo rural campo-cidade é uma causa socioeconômica que limita até mesmo a produção familiar do milho no sertão. Aquele roçadinho de meio hectare, plantado no dia de São José, na esperança de ter milho - assado, canjica e pamonha nas festas juninas, já se torna escasso, porque o agricultor faz o balanço, do custo e do benefício quando não tem gente em casa disposta a pegar na enxada.

A culinária tradicional do milho verde não desapareceu. As tulhas de milho nas feiras livres estão presentes o ano todo, graças à irrigação com água dos grandes açudes ou nas margens do Rio São Francisco.

O consumo do milho seco diminuiu entre as pessoas, mas aumentou com o acréscimo dos rebanhos, crescendo paralelamente a demanda. A solução encontrada para resolver este dilema tem sido a importação de grãos, especialmente do Cetro Oeste do Brasil.

O milho consumido no Nordeste é adquirido e distribuído pela Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), empresa pública vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

O Estado da Paraíba tem quatro unidades armazenadoras da CONAB: João Pessoa, Campina Grande, Patos e Monteiro.



A unidade de Monteiro, de abril de 2010 a março de 2011 vendeu 1.300 (mil e trezentos toneladas), para os municípios do Cariri Ocidental. A aquisição é feita pelo proprietário rural legalmente cadastrado. Feito o pedido de compra é emitido um boleto e o comprovante de pagamento bancário gera uma nota fiscal, instrumento indispensável para a liberação da mercadoria. Todo processo é informatizado, é ágil e leva à crença de real zelo e transparência do serviço prestado aos criadores.

No Centro Oeste, de onde vem o milho, a produtividade é alta, graças ao clima, ao solo e ao emprego de tecnologia avançada, desde a semeadura até a colheita e comercialização.

Mas existe um alto custo embutido no lucro do agronegócio lá praticado em alta escala. As máquinas substituem o homem e os agrotóxicos criam um agravo sanitário para as pessoas e para o meio ambiente cujas consequências começam a ser pesquisadas no meio rural, como vimos na reportagem da semana passada, sob o título: Leite humano contaminado por agrotóxicos em Lucas do Rio Verde (MT). O milho na contramão aparenta boa qualidade, mas uma monitoração permanente equivale a uma profilaxia de danos para as pessoas, para os animais e para o meio ambiente.

*Juracy Nunes é médico e pequeno proprietário rural em Monteiro/PB.

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