“Paulista foi senzala de escravos. Me tirem de lá. Não façam da minha eternidade uma gargalhada universal”
Escrito por Agassiz Almeida
Na história da humanidade, certos vultos se fizeram fenômenos e vararam a vida como verdadeiros meteoros, alguns iluminando o mundo com suas criações, obras e ações, e outros a desencadear tragédias. Ariano Suassuna veio para a vida não como um desafiador ou contestador, mas um criador de mundos de frenéticas construções utópicas onde ele próprio se transvestiu no personagem-mor de um teatrão mambembe.
Não soube odiar e nem amar, sonhou.

No cenário das terras empedradas dos sertões nordestinos, Euclides da Cunha e Ariano Suassuna, gigantes da nossa literatura, confluíram e se contestaram, no imenso anfiteatro em que a realidade e o celestial se interagem. O ensaísta dos chapadões ressequidos de Canudos, no fanatismo místico de Antônio Conselheiro escancarou a selvagem distância abissal dos dois brasis: o dos oligarcas do café e do açúcar, e, contrastantemente, a assustadora miséria dos nordestinos condenados à ignorância e à fome.
E o dramaturgo paraibano como construiu a sua epopeia de risos? Antes de armar a sua tenda nas cortes angelicais, ele cavalgou no misticismo partindo dos rincões caririzeiros, e neles fez a sua Meca.
Voltaire fez a Europa rir da idiotia de Leibniz: Este é o melhor dos mundos possíveis. Chaplin gargalhou dos ditadores boçais. Ariano Suassuna entre a prepotência do poder e a tolice dos simplórios, riu dele próprio e renegou a estupidez humana. Criou uma nova forma de olhar a existência. Conduziu-se com indiferença face aos entrechoques das vaidades humanas.
Assim varou a ditadura Vargas (1937/45) e a ditadura militar (1964/85). Certa feita, indaguei-o sobre os ditadores. Respondeu-me: Meninões atrevidos brincando de armas. Bertolt Brecht vomitou nos abocanhadores do poder.
Ariano Suassuna olhou na alma humana num movimento de constante emoção entre o riso e a melancolia. Para tanto, fez-se bobo dele mesmo, e desta forma melhor conheceu a condição humana. As suas aulas- espetáculo retratam bem o seu permanente retorno às paragens desafiadoras dos sertões.
Em devaneios, embalava-se de Recife a Taperoá; destes dois polos navegava com os seus personagens em meio ao utópico e aos encontrões com a vida. Dois fenômenos na sua polivalente obra se encontram: o universal e o telúrico. Ariano não deixou apenas um legado literário. Descortinou uma visão cômica do mundo, argamassado no riso dos simples e no desencontro dos homens de boa-fé.
Viveu a vida na amplidão de um enorme anfiteatro.
Viajante incansável pelas paragens das solidões telúricas, ele arrancou do drama da vida os justos e simplórios e os lançou nos labirintos do misticismo.
Ao apagar das luzes da ribalta do genial utópico paraibano ele pranteou um enorme soluço a João Grilo e Pe. João: Oh, companheiros, eu queria ter me eternizado nos sete palmos de terras livres dos meus cariris de Cabaceiras e Taperoá. Paulista foi senzala de escravos. Tirem-me de lá. Rindo eu atravessei a vida. Não façam da minha posteridade uma gargalhada universal, não lancem contra mim esta maldição seculo seculorum, senão eu grito da tumba: Aleluia, aleluia, aleluia.
Obs.: Agassiz Almeida, escritor, ativista dos direitos humanos, ex-deputado federal constituinte, autor das obras: 500 anos do povo brasileiro (Ed. Paz e Terra), A república das elites (Ed. Bertrand Brasil), A ditadura dos generais (Ed. Bertrand Brasil), O fenômeno humano: Os verdadeiros objetivos da viagem de Charles Darwin na H.M.S. Beagle (Ed. Contexto). Segundo a crítica, é considerado um dos grandes ensaístas do país. (Dados colhidos na Wikipédia).
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