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Brasileiro: um povo “apolítico”

Por Clécio Dias*


O povo brasileiro não gosta de política. Tudo o que se disseminou sobre a ideia de que o brasileiro é “político” não passou de uma ilusão! A “alegria” estampada no rosto do povo sofrido não é fruto da sua “apolítica” nem fruto das suas paixões mais doentias!

Na verdade, a frase “sou brasileiro e não desisto” é uma invenção proposital para explorar ainda mais o “conformismo” da nossa população! A ideia de não desistir só pode ser embasada na ideia de que o povo desistiu de lutar pelos seus ideais, embora pareça que o povo não desistiu apenas de lutar pelos ideais, mas desistiu dos próprios ideais.

É notório que o brasileiro não desistiu da política, pois não se pode desistir daquilo que nunca se foi. Nossa história é sempre marcada pela não participação popular! O fim da ditadura não foi uma luta do povo, mas a luta de algumas pessoas e, o suposto fim daquele regime, foi mais uma iniciativa de quem dominava do que de quem era dominado!

Não foi o povo que elaborou a Constituição Federal. Não foi o povo que saiu de cara pintada para pedir o impeachment de Collor! Não foi o povo! Sempre foi dito que era o povo o responsável pelas ações de algumas pessoas!

Mas não podemos negar que “ser político” não é apenas ir às urnas a cada dois ou quatro anos. Isso é ser “eleitor”. Não se esqueça também de que “ser político” não é se enfeitar de uma ou várias cores e venerar um partido ou um candidato. Isso é ser partidário. Existe até um costume que se expressa nas seguintes frases: “a política chegou”, “fulano ganhou a política”, “odeio política”... Tais afirmações são verdadeiras “ideias falsas” de um povo que diz que odeia política, mas que atualmente percebeu que mesmo odiando a “política” é impossível fugir dela.

Todos os impostos, as leis, as prisões, os deveres, as obrigações etc. etc. estão atrelados à política. Grande parte da população explode com ódio das reformas do governo atual. Outra grande parte está revoltada com a corrupção de ontem e de hoje.

Por muito tempo se confundiu “político” com “eleitor” e “político” com “partidário”. Muitos acreditam que só é “político” quem vota em alguém e que quem vota em branco ou nulo não é “político”. Ledo engano.

Não fomos nem somos políticos. Não é de hoje que negligenciamos a escolha dos representantes. O Congresso Nacional pouco muda. Poucos fiscalizam! Os partidos são quem decidem quem serão os candidatos. Votamos como numa prova de múltipla escolha – apenas marcamos um “x” e é impossível ver um “candidato” isento das vicissitudes dos partidos políticos. PT, PSDB e PMDB vêm decidindo o futuro do país há muitos anos.

Deixamos por muito tempo o Brasil nas mãos dos outros. Longos anos de corrupção. Longos anos de escolhas erradas. Longos anos.

Toda a situação em que mergulhamos e toda a descrença suplantada no seio da população é fruto de décadas ou até de séculos de não participação popular. Os portugueses que vieram para o Brasil não vieram para povoá-lo e engrandecê-lo, mas apenas para explorá-lo.

Fomos explorados e somos explorados. Tornamo-nos os mais guerreiros torcedores, vibrantes foliões, mas temos um débito impagável na política. Nunca buscamos conhecer o perfil dos candidatos. Na hora de criticar veneramos e, na hora de nos posicionar como verdadeiros donos do poder, nos curvamos.

Milhões de treinadores de futebol espalhados pelo Brasil e pouquíssimos, raríssimos “políticos” por aí. Buscamos entender o futebol completamente, mas nunca buscamos compreender como funciona a “política”... Somos pentacampeões no mais evidente esporte e somos um nada na política...

As consequências: nem é preciso dizer! Um país “rico” com uma imensa população de miseráveis; um país banhado pela corrupção e uma fama “cruel” no exterior. Amargamos hoje toda a nossa omissão passada e nem percebemos nossa omissão presente! Já não existe mais o “jeitinho brasileiro” para a recuperação do país.

As reformas trabalhista, previdenciária e até da educação... Retrocesso! O povo que fechou os olhos para a política percebe hoje, dentro da mais triste realidade, como custou caro! O hino nacional ultimamente só serve para ser tocado e cantado antes das partidas de futebol e a bandeira do Brasil só serve para colorir as camisas dos clubes e dos atletas.

A população em geral, perdida nas mazelas nacionais, não tem bandeira nem hino... Desesperançada, levanta a bandeira de “heróis” e de “mártires”. A população menos favorecida (imensa parte dos brasileiros) perdeu a autoestima e se coloca como “subserviente” alimentando a fantasia da existência de heróis e, mesmo depois do esfacelamento de muitos de seus direitos, ainda encontra a ilusão de que no meio político existe “mártires” quando os maiores mártires estão por aí, nas mãos severas do anonimato!

Porém, a maior contradição está na concepção desse mesmo povo! Com a explosão dos escândalos, criou-se um clima de muita vergonha quanto ao sistema político! Inocentemente, um grande número de eleitores ostenta com orgulho e dá “graças a deus” não ser um povo político. No entanto, o motivo de “orgulho” é, na verdade, o motivo de vergonha, pois abandonar a política foi abandonar tudo o que lhe pertence e não saber escolher com responsabilidade os representantes foi um ato de covardia.

Nunca se terá a dimensão do alto preço que pagamos por isso. Os rios de dinheiro desviados não voltam mais e a credibilidade também se perdeu, assim como a autoestima da população! Ou seja, para o povo brasileiro, negar/ignorar a política não foi uma boa estratégia. Acovardar-se quando se está em jogo os seus próprios direitos é covardia e, em vez de orgulho, devemos sentir vergonha!

*Clécio Dias - Poeta, Corretor de Imóveis e Advogado.

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