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Pernambuco chega a 100 mil casos de Covid-19 sendo o único estado do Brasil a não divulgar números de casos por município

Estado só divulga localização dos casos graves de coronavírus — Foto: Divulgação/Geraldo Bubniak/AEN.

Na quarta-feira (5), Pernambuco ultrapassou a marca de 100 mil casos de Covid-19, depois de 127 dias das primeiras confirmações, ocorridas em 12 de março. O estado, que já chegou a ter o mais alto nível do país na transparência na divulgação dos dados do novo coronavírus, hoje é o único a não revelar o número total de ocorrências por municípios. São, atualmente, 100.321 casos, mas apenas 23.955 (ou 23,87%) têm a cidade divulgada nos boletins diários.

De acordo com levantamento feito pelo G1, todos os outros estados do país e o Distrito Federal divulgam, diariamente, o número de casos cidade por cidade. Pernambuco, no entanto, decidiu, em abril, não mais incluir nos boletins epidemiológicos a localização dos casos considerados leves, que são aqueles que, majoritariamente, não demandam internação na rede hospitalar.

O número de casos que, atualmente, têm a localização divulgada, em todo o estado, é menor até mesmo que o número total de casos no Recife, que tem, ao todo, 27.618 confirmações para a Covid-19. No boletim do governo do estado, no entanto, aparecem apenas os 8.680 casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (Srag) da capital, que representam apenas 31,4% do total.

A última vez que o estado divulgou o número total de casos, por município, foi em 23 de abril, quando havia 3.604 confirmações. No dia seguinte, 24 de abril, havia 3.999 casos, mas somente se sabia a localização de 3.041 deles, devido à mudança na metodologia de divulgação dos dados. Esse número é referente ao índice de pessoas com Srag. Foram omitidas, então, as localizações de, ao menos, 563 casos leves.

Questionada sobre a mudança, a Secretaria Estadual de Saúde havia informado que a mudança tinha ocorrido devido a uma modificação no sistema de notificações do Ministério da Saúde. No dia 14 de julho, o secretário André Longo, questionado pelo G1, afirmou que o governo tinha parado de divulgar a localização dos casos leves devido a um pedido da Associação Municipalista de Pernambuco (Amupe), que teria alegado que algumas cidades enfrentavam problemas na notificação de casos junto aos sistemas do Ministério da Saúde.

À reportagem, no entanto, o Ministério da Saúde informou ser de "responsabilidade das Secretarias de Saúde municipais e estaduais" a divulgação dos dados regionais. André Longo informou, na mesma coletiva de imprensa, que, posteriormente, a SES voltaria a divulgar os números, já que, com a persistência da pandemia, os municípios e regiões de Saúde poderiam estar mais preparados para fazer as notificações.

O G1 voltou a questionar a SES no dia 22 de julho, por e-mail, mas não obteve resposta. No dia 20, a reportagem solicitou ao governo do estado os dados totais por município baseando-se na Lei de Acesso à Informação (LAI). A lei regulamenta um trecho da Constituição Federal que estabelece como direito de qualquer cidadão receber, do poder público, informações de interesse da sociedade. Até a última atualização desta reportagem, a resposta não chegou.

A reportagem solicitou uma entrevista com algum representante da Secretaria Estadual de Saúde (SES-PE), mas a pasta preferiu se manifestar por meio de nota e informou que, desde o início da pandemia, "vem trabalhando com transparência para informar toda a população pernambucana sobre os casos da Covid-19" e que, "desde o final de fevereiro, são divulgados boletins diários e realizadas coletivas de imprensa periódicas, com transmissão online e abertas para o grande público, explicitando a situação do estado e as medidas que estão sendo implementadas para ampliar a rede de assistência e para conter o avanço dos adoecimentos".

A SES, no entanto, não respondeu aos questionamentos do G1 sobre a divulgação total de casos por cidade. Na nota, a secretaria informou que, "ao longo da pandemia, vem qualificando e otimizando os dados repassados" e reiterou "seu compromisso com a transparência e em continuar qualificando as informações sobre a doença, além de manter diálogo aberto com o meio acadêmico para auxiliar nas análises e pesquisas que estão em curso".

Transparência

Em abril, um estudo da organização não-governamental Open Knowledge Internacional (OKBR) apontou Pernambuco como o único estado brasileiro a apresentar um resultado "de alto nível de transparência" em relação às informações divulgadas sobre o novo coronavírus. O estado recebeu 81 pontos, de um total possível de 100, adotado como critério de avaliação.

Nesta quarta-feira, no entanto, Pernambuco é o quinto estado com o melhor índice de transparência, já que está abaixo do Espírito Santo e Rondônia (empatados no 1º lugar) e Amazonas e Mato Grosso do Sul (empatados no 2º lugar). Minas Gerais vem empatada com Pernambuco. De acordo com a OKBR, o Índice de Transparência da Covid-19 é composto por três dimensões: conteúdo, granularidade e formato.

De acordo com a pesquisadora Fernanda Campagnucci, diretora-executiva da OKBR, na época em que Pernambuco tinha o melhor lugar no ranking, eram avaliados 13 indicadores, classificados em formato, conteúdo e detalhamento. Desde junho, no entanto, a organização "subiu a régua", o que fez o estado descer no ranking.

Ela disse que, apesar de o estado sempre ter sido bem avaliado, há pontos, incluindo a divulgação dos casos por município, que devem ser melhorados na transparência dos dados sobre a pandemia no estado.

"É importante que a totalidade dos casos seja divulgada, para entender a real situação de contágio, porque os casos leves também são responsáveis pela contaminação. Isso é importante, porque, sabendo a localização dos casos, teremos o real reflexo da doença. Não é algo que recomendamos e que prejudica a transparência", afirmou a pesquisadora.

De acordo com Campagnucci, apesar de divulgar a localização apenas de uma pequena parcela dos casos, desde o início, o estado tinha uma boa avaliação, do ponto de vista da divulgação de dados, devido a parcerias com pesquisadores e universidades públicas.

Um exemplo é o do Instituto para Redução de Riscos e Desastres de Pernambuco (IRRD-PE), iniciativa criada por membros da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), com colaboração de outras instituições de ensino e centros de pesquisa nacionais e internacionais.

O IRRD-PE divulga análises epidemiológicas e alimenta bases de dados utilizadas pela própria Secretaria de Saúde. O próprio IRRD-PE, de forma independente da SES, divulga, diariamente, os números totais por cidade, sempre em referência ao dia anterior.

Fernanda Campagnucci afirmou, ainda, que os resultados são atualizados semanalmente, alternando a avaliação de estados e de capitais. O Recife, por exemplo, figura como a 15ª capital com melhor índice de transparência, com 48 pontos. É um nível de transparência considerado médio pela OKBR.

"Em abril, Pernambuco era o único estado que tinha a categoria alta. Chegou a estar em primeiro, mas o que subiu foi a nossa régua. Nossa última avaliação foi dia 22 de julho, o estado só tem um item que pontua parcialmente, que é microdados. Dentro da base, a gente cobra 11 itens. Os únicos que Pernambuco não tem são referentes aos profissionais da saúde que estão afetados e às cidades dos casos leves", explicou.

Na nota enviada pela Secretaria de Saúde, o governo informou que, desde a primeira análise da OKBR, Pernambuco se mantém entre os estados mais transparentes, "sempre figurando no patamar de 'alto nível'" e que, "mesmo na segunda rodada de avaliação do novo Índice de Transparência da Covid-19, (...) o estado se mantém com alto nível, figurando na terceira colocação, juntamente com Minas Gerais, e tendo melhorado na pontuação em relação à análise anterior".

"Entre as últimas melhorias na divulgação dos dados, está a publicação das etnias indígenas afetadas pelo novo coronavírus, a distribuição dos casos de Srag notificados e confirmados para a Covid-19 por semana epidemiológica e os óbitos confirmados por semana epidemiológica. O boletim ainda traz os dados das pessoas privadas de liberdade, bem como informações complementares sobre os exames e ocupação da taxa hospitalar. Semanalmente, também é divulgado boletim específico com informações sobre os casos da enfermidade entre os profissionais de saúde", disse a nota.

Impactos

De acordo com Ana Brito, médica e epidemiologista do Instituto Aggeu Magalhães/Fiocruz e da Rede Solidária em Defesa da Vida de Pernambuco, o estado carece de dados para uma análise mais fidedigna da pandemia. Além disso, a baixa testagem é outro problema, enfrentado em todo o Brasil, que também impede o acompanhamento da taxa de reprodução do vírus.

"Se a gente apoia o diagnóstico da doença no exame, mas não disponibiliza esse teste, temos um problema de entrada. Começamos sabendo que só uma parcela dos casos vai ser diagnosticada. Não testamos em massa e sabemos que, em 40% dos casos, a doença vai cursar sem sintoma nenhum", afirmou.

A epidemiologista disse, ainda, que, apesar de Pernambuco ter confirmado formalmente 100 mil casos nesta quarta-feira (5), esses números foram ultrapassados pelo estado há semanas, contando com a subnotificação de casos.

"Com base num estudo de soroprevalência da Universidade Federal de Pelotas, sabemos que, para cada caso confirmado, há de cinco a sete sem diagnóstico. Temos, pelo menos, cinco vezes mais que os estimadores anunciados. São escolhas e decisões políticas. Você vai trabalhar com um número de casos que é a ponta do iceberg", afirmou.

Ainda de acordo com Ana Brito, um problema de apoiar o diagnóstico da Covid-19 apenas no teste laboratorial é o fato de que há uma janela em que é possível que nenhum dos testes atualmente feitos consiga detectar a doença, seja em sua fase aguda ou depois dela.

Por causa disso, seria necessário, ainda, que Pernambuco divulgasse o número de casos suspeitos para a doença. Esses números eram lançados nos boletins diários no início da pandemia no estado, mas, posteriormente, foram retirados das bases de dados.

"Os casos que entraram como suspeição são fundamentais, porque é uma doença confirmada apenas por laboratório. Retirar das análises os casos suspeitos não permite nos dar a dimensão da análise mais criteriosa dos dados. Isso nos ajudaria muito mais em análises pontuais", declarou.

Perdas

Bom Jardim, no Agreste do estado, é a cidade natal da comerciante Raquel Pessoa, que morreu aos 38 anos, em abril, dias depois de perder o pai e a mãe - Cristóvão Pessoa, de 67 anos, e Ana Lúcia Barros, de 64 anos. Em menos de uma semana, os três morreram devido à Covid-19, deixando destroçada uma família que, agora, convive com o trauma avassalador trazido pela pandemia.

O professor e vendedor Klebson Oliveira, de 46 anos, primo de Raquel e sobrinho de Cristóvão e Ana Lúcia, jamais vai esquecer os dias em que perdeu os parentes para a doença. Passada a fase mais aguda da pandemia, ele, agora, convive com o medo de passar por tudo novamente, vendo, aos poucos, as medidas de prevenção ao coronavírus serem deixadas de lado pela população.

"Eu não vejo, ainda, segurança nenhuma. Os dados mostram que o pico já passou, mas eu passo e vejo praias lotadas, bares funcionando e não acredito que estamos seguros. Depois de perder três pessoas para a Covid-19, minha sobrinha, que trabalha numa clínica, teve que voltar a trabalhar, com as reaberturas feitas pelo governo. Dia depois, caso confirmado para a doença. Ficamos muito apreensivos, porque foi um trauma muito grande há pouco tempo. Escondemos tudo dos meus pais, que são idosos, mas, graças a Deus, ela se curou", disse Klebson.

Na família de Klebson, a primeira a ter os sintomas da Covid-19 foi Raquel, que foi internada num hospital particular no Centro do Recife. Na casa dela, na Zona Oeste, ficaram os pais, Cristóvão e Ana Lúcia, que moravam em Bom Jardim, mas passavam muito tempo com a filha para ajudar com as demandas do comércio que ela mantinha e no cuidado com o filho dela.

Dois dias depois da internação de Raquel, o pai dela, Cristóvão, foi socorrido para uma Unidade de Pronto Atendimento. Poucas horas depois, ele morreu. No dia seguinte, foi a vez da mãe, Ana Lúcia, que também morreu no mesmo dia em que foi internada. Ela sequer soube da morte do marido e da real situação de Raquel, sua filha, que lutava pela vida na UTI. A comerciante faleceu seis dias depois de ter sido internada.

"Éramos e somos uma família muito ligada um aos outros. Tínhamos nos separado por causa da pandemia, mas já tínhamos marcado uma viagem para Itamaracá, para uma casa de praia, mas devido à pandemia, desistimos de tudo. Depois, aconteceu tudo isso. Eles foram enterrados todos em Bom Jardim, nossa terra natal", afirmou.

Do G1 Pernambuco

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